quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XII



Já era noite quando Vicent voltou para o hotel. Sozinho.
Ele veio apressado pela rua enquanto eu o observava da sacada. Abriu o portão baixo e entrou sem notar minha presença. Trazia uma garrafa de whisky e a costumeira expressão carrancuda; mas sem sinal do garoto. Saí para o corredor e parei diante da porta do quarto ao lado do meu, ouvindo Vicent pedir alguma coisa ao recepcionista; e depois o barulho de seus passos se aproximando pela escada. Mal pude vê-lo, devido àquela escuridão quase completa – provavelmente as luzes não funcionavam porque os ratos tinham roído os fios.
Um vulto no escuro disse-me em tom de ordem:
– Vou precisar da sua ajuda.
– Onde está o garoto? – perguntei.
Ele abriu a porta e a claridade da rua que entrava pelas vidraças da sacada fez uma sombra estranha lhe percorrer o rosto.
– Entre – falou, acendendo as luzes do quarto.
Sentei-me na cama, por falta de lugar melhor. E Vicent me olhou daquele jeito acanhado, evitando o contato visual. Era como se sentisse vergonha pelo que aconteceu na noite anterior. Eu sabia que ele não se lembrava de praticamente nada, mas – ao mesmo tempo – tinha certeza de que se lembrava o suficiente. Meio atrapalhado, depois de alguns segundos encarando-me, Vicent pareceu se lembrar que tinha uma garrafa de whisky e dois copos nas mãos. Serviu-nos e depois se sentou na cama à minha frente. Tomei o cuidado de esperar que ele bebesse um gole, para não correr o risco de cair em meu próprio golpe.
– Vou precisar de sua ajuda para chegar a Phillip.                            
– E o que quer que eu faça?
Ele virou o restante do conteúdo do copo de uma só vez, depois sacudiu a cabeça com força.
– Antes de qualquer outra coisa, quero que compre uma arma.
– Você já tem uma arma. Eu o segui e vi quando a comprou, caso sua memória esteja falhando outra vez. E, além do mais, não vejo motivos que me levariam a precisar de uma... – eu me interrompi quando uma ideia ocorreu-me como um estalo, então acrescentei rapidamente: – Ei, espere! Você não está pensando que eu vou matá-lo em seu lugar, está?
– Não seja tola! – disparou, reabastecendo o copo de whisky – Você não está entendendo.
– Então explique.
– Nós vamos à casa de Phillip amanhã à noite.
– Nós? – perguntei com um tom irônico, levantando as sobrancelhas – O que quer dizer com isso? Não estou inclusa nesse termo, estou?
– Tem tanto interesse nisso quanto eu, Srta. Fontaine. Por que seria poupada?
– Em primeiro lugar – falei, levantando-me – me chame de Caterine. E, em segundo lugar, o fato de eu ser uma dama não significa nada para você?
Ele gargalhou debochadamente e também ficou de pé.
– Você? – ele me apontou com o indicador da mesma mão que segurava o copo – Uma dama? Poupe-me de seus argumentos infundados.
– Contenha-se, Vicent! E veja como fala comigo! Pour l'amour de Dieu, você está bêbado novamente?
Ele ignorou meu insulto e voltou a se sentar.
– Escute bem, porque vou explicar uma única vez.
– Eu não pediria mais que isso, chéri – eu disse em um tom falsamente gentil.
– Christopher, o garoto que você conheceu mais cedo, ficou de vigia na casa de Phillip o dia e a noite toda. E descobriu que durante a noite, os funcionários vão embora.
– Todos eles? – interrompi, tentando entender onde Vicent queria chegar.
– Exceto os dois seguranças.
– E como você pretende passar por eles?
Vicent sorriu um meio sorriso.
– É aí que você entra – ele fez uma pausa para mais um gole.
Duas batidas na porta interromperam nossa conversa. Vicent fez sinal pra que eu ficasse em silêncio, colocou o copo sobre a mesa de cabeceira e perguntou:
– Quem é?
– Recepcionista – disse uma voz rouca, vinda do outro lado da porta – Tenho uma carta para o Sr. Vicent Nicholls.
Quando a porta foi aberta, o velho esquisito que era o faz-tudo do hotel estava parado no corredor. Segurava um castiçal em uma das mãos e um envelope na outra. Não pôde conter a expressão de surpresa quando me viu sentada na cama. Lançou um olhar de inveja e repugnância a Vicent, fez uma reverência forçada e se retirou murmurando alguma coisa ininteligível.
– De quem é a carta? – perguntei, interrompendo os devaneios de Vicent, que de repente pareceu se transportar para outro mundo.
Ele guardou o envelope com muito cuidado no bolso interno do paletó e reassumiu a clássica expressão inflexível.
– Ninguém – respondeu secamente, depois voltou ao assunto que fora interrompido – Quero que você distraia os seguranças da mansão.
– E como pretende que eu faça isso? Tem algo em mente?
– Amanhã à noite você ficará a par de todos os meus planos. Até lá, faça o que eu digo: compre uma arma.
– Você ainda não me respondeu: porque eu precisaria de uma arma se você já tem a sua? – repliquei.
– Para o caso de algo correr errado – disse com simplicidade, dando de ombros – Pode ser que sejamos obrigados a recorrer ao plano B.
– E qual é o plano B?
– Você mata os seguranças.
– O quê? – eu voltei a me levantar, estarrecida – Você perdeu o juízo de vez, Vicent?
– Escute aqui, Caterine – ele me segurou com força pelo braço e aproximou-me de seu rosto. Quando voltou a falar, pude sentir seu cheiro de álcool – Eu não confio em você. Mas, se você quer mesmo tirar alguma vantagem dessa situação, preciso saber se posso contar com a sua ajuda. Porque se não puder, o plano todo vai estar perdido. E você fica sem o seu precioso dinheiro, sendo obrigada a voltar para seja lá de onde veio sem um tostão no bolso!
Forcei-o a soltar-me. Depois ameacei:
– Encoste-me novamente, e eu o mato.
– Traia-me, e eu o farei – disse ele com firmeza.
Abri a porta e saí do quarto sem dizer mais nada. Vicent tinha um plano. Ótimo.
Mas eu tinha outro. 

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