segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo VIII


 O que faz você pensar, senhorita, que eu compartilharia contigo de minhas pretensões?  respondeu-me secamente.
 Então realmente pretende matar alguém?
Ele fez uma longa pausa e eu quase pude ouvi-lo tentando pensar na resposta adequada.
 Mesmo que pretendesse  ele encarou-me com ar de superioridade, depois acrescentou: , o que não é o caso... No que isso lhe diz respeito, senhorita?
Eu quase sorri. O astuto Sr. Nicholls realmente não fazia ideia de quem eu era. Talvez porque nem sequer me viu quando foi à casa de meu pai para pedir dinheiro emprestado. Era fim de tarde quando ele chegou à fazenda, carregando uma mala. Meu pai ordenou que eu fosse para o meu quarto, pois não era direito que uma moça de família ficasse se exibindo para um homem, mesmo dentro da própria casa. Obedeci. Mas depois que se trancaram dentro do escritório, esgueirei-me silenciosamente pelo corredor e parei atrás da porta para ouvir a conversa.
Ele contou a meu pai uma história qualquer  só um tolo acreditaria, nem dei atenção. Foquei-me em tentar descobrir para onde ele estava indo. Era óbvio para mim que aquele homem planejava algo muito maior. Talvez um golpe ou um sequestro. Mas de uma coisa eu tinha certeza: eu poderia tirar vantagens daquilo.
Depois de meu pai resolver dar minha mão em casamento a um amigo  um velhote baixinho e barrigudo que tinha quase o triplo da minha idade , eu vinha procurando meios para escapar daquela vida miserável que me aguardava. E eu tinha certeza de que encontrara a oportunidade perfeita. Não a perderia dessa vez.
O homem dormiu no quarto de hóspedes naquela noite. E pela manhã, meu pai ordenou que um dos empregados o levasse de carro até a estação para pegar o trem do meio dia. Na madrugada, acordei a criada e pedi que me ajudasse a deixar a fazenda. Tendo sido ela a mulher que me criou, pois minha mãe morreu quando eu era ainda muito jovem, não hesitou em acobertar-me.
Eu sabia para onde ir. E sabia como e onde encontrar o Sr. Nicholls.
 Diga-me, monsieur  fiz cara de intrigada  Costuma ser sempre tão pouco gentil?
Ele passou a mão com força pela fronte, como quem espera espantar uma dor de cabeça.
 O que a senhorita deseja?  perguntou-me de um jeito seco.
 Um cigarro  eu sorri, enquanto percebia o esforço que ele fazia para não olhar o meu decote  Pode ser aquele que me negou na recepção do hotel. 
 Se eu fizer o que deseja, vai me deixar em paz?
 Talvez  dei de ombros.
Ele tirou um maço de cigarros do bolso interno do paletó e ofereceu-me, sem poder enxergar outra alternativa para livrar-se de mim.
 Você tem fogo?  perguntei, encarando-o de um jeito sedutor. Ele não pode conter o sorriso com a minha pergunta de duplo sentido. Tirou um isqueiro do mesmo bolso e ajudou-me a acender o cigarro.
 Merci  agradeci, depois estendi a mão  Sou Caterine Fontaine.
O sobrenome era falso, é claro, para que ele não desconfiasse do meu parentesco com o poderoso senhor que era meu pai  um fazendeiro francês conhecido por seu coração mole e ingenuidade.
 Vicent Nicholls.
 Um homem tão sério costuma beber?
 Não a essa hora da manhã.
 E a que horas ele bebe?  insisti.
 O que quer de mim, Srta. Fontaine?
 Apenas sua companhia.
Ele respirou fundo e começou a caminhar. Acompanhei-o, mesmo sem ter sido convidada. Enquanto eu o distraía com conversas triviais, pensava em alguma maneira de dopá-lo para que me contasse toda a verdade. Quando chegamos ao hotel, o recepcionista encarou-me daquele jeito esquisito. Eu sabia exatamente o que deveria estar se passando na cabeça dele, mas não o desencorajei  até porque talvez precisasse de sua ajuda futuramente.
No corredor dos aposentos, Vicent Nicholls continuava calado. Respondia as minhas tagarelices com pouco interesse. Então ele entrou em seu quarto e fechou a porta sem me convidar, sem se despedir e sem esforços para parecer gentil. Fui para o meu próprio dormitório pisando fundo. Liguei para o recepcionista e pedi que me trouxesse uma garrafa de vinho. Ele obedeceu com uma eficiência apropriada, fazendo reverências exageradas e pedindo licença quando eu permiti que entrasse em meu quarto.
Passei o restante do dia pensando em como conquistar a confiança do Sr. Nicholls. Ele não era tão corruptível quanto imaginei a princípio. Por volta das sete da noite, despi-me e entrei no banheiro para um banho quente, numa tentativa desesperada de pensar em qualquer coisa que me ajudasse a entrar no quarto ao lado. Nenhuma ideia o dia todo. Eu já começava a perder as esperanças.
Liguei o chuveiro: a água estava gelada. Tive que me conter para evitar um ataque de fúria ali mesmo. Foi necessário muito esforço para que eu não saísse de roupão até a recepção daquele hotel asqueroso num acesso de raiva, para gritar a plenos pulmões com o idiota que me fazia de babador. E, imaginando tal cena, uma ideia brilhante me ocorreu. Eu sorri, encarando a mim mesma no espelho.
 Você é genial, Caterine  falei para mim mesma.
Retoquei o batom e peguei a garrafa de vinho que jazia pela metade sobre a mesa ao lado da minha cama. Tirei o frasco de alucinógeno de dentro da bolsa e esvaziei o conteúdo dentro da garrafa, apanhei a taça e saí para o corredor descalça, vestindo apena o roupão.
Bati na porta.
 Quem é?  a pergunta ecoou lá de dentro.
Não respondi. Vicent tornou a perguntar, com um tom um pouco mais irritado. Continuei calada. Ouvi quando ele caminhou pelo assoalho barulhento do quarto, praguejando em voz alta e lançando ameaças a alguém chamado Christopher.
Ao abrir a porta, sua expressão foi de surpresa. Antes que ele me expulsasse, ensaiei minha melhor cara de inocente e apressei-me em dizer:
 Pardon, Sr. Nicholls! O chuveiro não funciona no meu quarto  entreguei-lhe a garrafa e a taça  Trouxe vinho para recompensá-lo. Preciso tomar um banho! Beba enquanto eu ocupo o seu banheiro...
Entrei no quarto sem ser convidada. Um vento gelado soprava da sacada, mas eu estava com tanta adrenalina correndo por minhas veias que nem cheguei a sentir frio. Adentrei o banheiro e despi-me, tomando o cuidado de deixar a porta entreaberta. Os minutos se arrastavam. Sorri ao ouvi-lo tirar a rolha da garrafa: Vicent finalmente estava em minhas mãos. Dentro de poucos minutos, o alucinógeno começaria a fazer efeito.
A brisa de início de noite empurrou a porta do banheiro, fazendo a pequena fresta aumentar de tamanho. O silêncio, quebrado apena pelo barulho do chuveiro, parecia eterno. Eu podia imaginar aquele pobre homem lá fora, ponderando sobre como proceder. Tentando encontrar uma brecha para escapar de todos os seus princípios morais enganosos, ao mesmo tempo em que devaneava sobre coisas impróprias a meu respeito. Atraído pela sua imaginação, que o fazia pensar em mim.
Poucos minutos depois, a porta tornou a se abrir. Mas dessa vez, não era o vento.

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