– O que faz você
pensar, senhorita, que eu compartilharia contigo de minhas pretensões? – respondeu-me secamente.
– Então realmente
pretende matar alguém?
Ele fez uma longa
pausa e eu quase pude ouvi-lo tentando pensar na resposta adequada.
– Mesmo que
pretendesse – ele encarou-me com ar de superioridade, depois acrescentou: –, o
que não é o caso... No que isso lhe diz respeito, senhorita?
Eu quase sorri. O astuto Sr. Nicholls realmente não fazia
ideia de quem eu era. Talvez porque nem sequer me viu quando foi à casa de meu
pai para pedir dinheiro emprestado. Era fim de tarde quando ele chegou à
fazenda, carregando uma mala. Meu pai ordenou que eu fosse para o meu quarto,
pois não era direito que uma moça de família ficasse se exibindo para um homem,
mesmo dentro da própria casa. Obedeci. Mas depois que se trancaram dentro do
escritório, esgueirei-me silenciosamente pelo corredor e parei atrás da porta
para ouvir a conversa.
Ele contou a meu pai
uma história qualquer – só um tolo acreditaria, nem dei atenção. Foquei-me em
tentar descobrir para onde ele estava indo. Era óbvio para mim que aquele homem
planejava algo muito maior. Talvez um golpe ou um sequestro. Mas de uma coisa
eu tinha certeza: eu poderia tirar vantagens daquilo.
Depois de meu pai
resolver dar minha mão em casamento a um amigo – um velhote baixinho e
barrigudo que tinha quase o triplo da minha idade –, eu vinha procurando meios
para escapar daquela vida miserável que me aguardava. E eu tinha certeza de que
encontrara a oportunidade perfeita. Não a perderia dessa vez.
O homem dormiu no
quarto de hóspedes naquela noite. E pela manhã, meu pai ordenou que um dos
empregados o levasse de carro até a estação para pegar o trem do meio dia. Na
madrugada, acordei a criada e pedi que me ajudasse a deixar a fazenda. Tendo
sido ela a mulher que me criou, pois minha mãe morreu quando eu era ainda muito
jovem, não hesitou em acobertar-me.
Eu sabia para onde
ir. E sabia como e onde encontrar o Sr. Nicholls.
– Diga-me, monsieur – fiz cara de intrigada – Costuma ser sempre tão pouco gentil?
Ele passou a mão com
força pela fronte, como quem espera espantar uma dor de cabeça.
– O que a senhorita deseja? – perguntou-me de um jeito seco.
– Um cigarro – eu
sorri, enquanto percebia o esforço que ele fazia para não olhar o meu decote – Pode ser aquele que me negou na recepção do hotel.
– Se eu fizer o que
deseja, vai me deixar em paz?
– Talvez – dei de
ombros.
Ele tirou um maço de
cigarros do bolso interno do paletó e ofereceu-me, sem poder enxergar outra
alternativa para livrar-se de mim.
– Você tem fogo? – perguntei, encarando-o de um jeito sedutor. Ele não pode conter o sorriso com a
minha pergunta de duplo sentido. Tirou um isqueiro do mesmo bolso e ajudou-me a
acender o cigarro.
– Merci – agradeci, depois estendi a mão – Sou Caterine Fontaine.
O sobrenome era
falso, é claro, para que ele não desconfiasse do meu parentesco com o poderoso senhor
que era meu pai – um fazendeiro francês conhecido por seu coração mole e
ingenuidade.
– Vicent Nicholls.
– Um homem tão sério
costuma beber?
– Não a essa hora da
manhã.
– E a que horas ele
bebe? – insisti.
– O que quer de mim, Srta.
Fontaine?
– Apenas sua
companhia.
Ele respirou fundo e
começou a caminhar. Acompanhei-o, mesmo sem ter sido convidada. Enquanto eu o
distraía com conversas triviais, pensava em alguma maneira de dopá-lo para que
me contasse toda a verdade. Quando chegamos ao hotel, o recepcionista
encarou-me daquele jeito esquisito. Eu sabia exatamente o que deveria estar se
passando na cabeça dele, mas não o desencorajei – até porque talvez precisasse
de sua ajuda futuramente.
No corredor dos aposentos, Vicent
Nicholls continuava calado. Respondia as minhas tagarelices com pouco
interesse. Então ele entrou em seu quarto e fechou a porta sem me convidar, sem
se despedir e sem esforços para parecer gentil. Fui para o meu próprio
dormitório pisando fundo. Liguei para o recepcionista e pedi que me trouxesse
uma garrafa de vinho. Ele obedeceu com uma eficiência apropriada, fazendo
reverências exageradas e pedindo licença quando eu permiti que entrasse em meu
quarto.
Passei o restante do dia pensando em
como conquistar a confiança do Sr. Nicholls. Ele não era tão corruptível quanto
imaginei a princípio. Por volta das sete da noite, despi-me e entrei no
banheiro para um banho quente, numa tentativa desesperada de pensar em qualquer
coisa que me ajudasse a entrar no quarto ao lado. Nenhuma ideia o dia todo. Eu
já começava a perder as esperanças.
Liguei o chuveiro: a água estava
gelada. Tive que me conter para evitar um ataque de fúria ali mesmo. Foi
necessário muito esforço para que eu não saísse de roupão até a recepção
daquele hotel asqueroso num acesso de raiva, para gritar a plenos pulmões com o
idiota que me fazia de babador. E, imaginando tal cena, uma ideia brilhante me
ocorreu. Eu sorri, encarando a mim mesma no espelho.
– Você é genial, Caterine – falei para mim mesma.
Retoquei o batom e peguei a garrafa de
vinho que jazia pela metade sobre a mesa ao lado da minha cama. Tirei o frasco
de alucinógeno de dentro da bolsa e esvaziei o conteúdo dentro da garrafa, apanhei
a taça e saí para o corredor descalça, vestindo apena o roupão.
Bati na porta.
– Quem é? – a pergunta ecoou
lá de dentro.
Não respondi. Vicent tornou a
perguntar, com um tom um pouco mais irritado. Continuei calada. Ouvi quando ele
caminhou pelo assoalho barulhento do quarto, praguejando em voz alta e lançando
ameaças a alguém chamado Christopher.
Ao abrir a porta, sua
expressão foi de surpresa. Antes que ele me expulsasse, ensaiei minha melhor
cara de inocente e apressei-me em dizer:
– Pardon, Sr.
Nicholls! O chuveiro não funciona no meu quarto – entreguei-lhe a garrafa e a
taça – Trouxe vinho para recompensá-lo. Preciso tomar um banho! Beba enquanto
eu ocupo o seu banheiro...
Entrei no quarto sem ser convidada. Um
vento gelado soprava da sacada, mas eu estava com tanta adrenalina correndo por
minhas veias que nem cheguei a sentir frio. Adentrei o banheiro e despi-me,
tomando o cuidado de deixar a porta entreaberta. Os minutos se arrastavam.
Sorri ao ouvi-lo tirar a rolha da garrafa: Vicent finalmente estava em minhas
mãos. Dentro de poucos minutos, o alucinógeno começaria a fazer efeito.
A brisa de início de noite empurrou a
porta do banheiro, fazendo a pequena fresta aumentar de tamanho. O silêncio,
quebrado apena pelo barulho do chuveiro, parecia eterno. Eu podia imaginar
aquele pobre homem lá fora, ponderando sobre como proceder. Tentando encontrar
uma brecha para escapar de todos os seus princípios morais enganosos, ao mesmo
tempo em que devaneava sobre coisas impróprias a meu respeito. Atraído pela sua
imaginação, que o fazia pensar em mim.
Poucos minutos depois, a porta tornou
a se abrir. Mas dessa vez, não era o vento.
_______________________________________________________
Link do Capítulo VII (anterior)
Link do Capítulo IX (próximo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário